Palavras Entressonhadas

terça-feira, 30 de abril de 2013

As memórias da minha infância

Gosto de ficar muito tempo a recordar-me das brincadeiras que enchiam a minha infância. Gosto de viajar aos locais que me viram nascer.

Gosto de me sentar e recordar de quando baloiçava muito alto no meu velho baloiço de madeira e pensava que podia tocar no céu azul sem fim, que podia voar tão alto que sentia as nuvens, que podia pegar nelas e levá-las comigo para casa, dormir com elas e sonhar, e sonhar, e sonhar…

Lembrar-me-ei para sempre de correr descalça na relva verde e fresca. Sentir a água dos regadores automáticos a bater nos meus pés e correr para fugir dela.

Recordarei sempre uma pequena localidade no campo que cresceu e mudou comigo. Lembro-me de ir passear com a minha avó pelos campos floreados e saltar por cima das flores como se fossem uma manta que me fizesse dormir e sonhar com o inalcançável. De correr de monte em monte, como se fosse a Rainha do mundo. Nunca esquecerei, também, de quando corria atrás das galinhas, de quando, nas tardes de verão, ia para casa da minha tia-avó, onde ela me contava histórias mágicas e fantásticas. Lembro-me dos fins de tarde, quando me sentava debaixo do limoeiro com a minha avá a observar o pôr-do-sol e a apreciar uma boa fatia de pão-de-ló caseiro.

No verão tudo acontecia. Relembro-me agora de mergulhar e sentir o sal na cara, de fazer enormes castelos de areia com o meu irmão, de dar longos passeios à beira-mar enquanto apanhava conchas e búzios. Lembro-me de chegar da praia e atirar-me para dentro da minha piscina, fazer corridas com o meu irmão, de saltar loucamente para a água e imaginar-me uma sereia.

Quando o inverno chegava, lembro-me de estar no meu quarto e pensar que era um forte, o meu porto de abrigo; lembro-me de imaginar fadas, passagens secretas e tudo o que eu quisesse. Recordo-me de quando estava a chover e eu me sentava em cima da minha cama, enquanto brincava com as minhas bonecas, ouvia o som da chuva a bater na vidraça da janela; fechava os olhos para que aquele som me ficasse para sempre na memória. Quando a chuva parava, calçava as minhas botas de água e corria para o jardim, onde saltava de poça em poça até ficar toda coberta de lama, dos pés à cabeça.

Depois de tanto brincar, recordo-me de ir tomar um duche bem quente, e aí sim, o sono aparecia e eu embarcava numa viagem alucinante.

É bom poder guardar na memória toda esta riqueza que faz de mim a pessoa que sou hoje.

Ana Sofia Jesus, 6º B, nº 3





terça-feira, 16 de abril de 2013

Nau Catrineta


A Nau Catrineta era contada oralmente, tendo sido recolhidas várias versões por vários escritores. Esta foi recolhida por Almeida Garret, sendo das mais completas versões que se conhece.

Conta a viagem da nau portuguesa que, em 1565, transportava Jorge de Albuquerque Coelho para Lisboa.

Lá vem a nau Catrineta

Que tem muito que contar!
Ouvide, agora, senhores,
Uma história de pasmar.


Passava mais de ano e dia
Que iam na volta do mar
Já não tinham que comer,
Já não tinham que manjar.


Deitaram sola de molho
Para o outro dia jantar;
Mas a sola era tão rija
Que a não puderam tragar.


Deitaram sorte à ventura
Qual se havia de matar;
Logo foi cair a sorte
No capitão general.


Sobe, sobe, marujinho,
Àquele mastro real,
Vê se vês terras de Espanha,
As praias de Portugal.


"Não vejo terras de Espanha,
Nem praias de Portugal;
Vejo sete espadas nuas
Que estão para te matar".


Acima, acima gajeiro,
Acima ao tope real!
Olha se enxergas Espanha,
Areias de Portugal


"Alvíssaras, capitão,
Meu capitão general!
Já vejo terra de Espanha,
Areias de Portugal.


Mais enxergo três meninas
Debaixo de um laranjal:
Uma sentada a coser,
Outra na roca a fiar,
A mais formosa de todas
Está no meio a chorar".


--Todas três são minhas filhas,
Oh! quem mas dera abraçar!
A mais formosa de todas
Contigo a hei-de casar.


"A vossa filha não quero,
Que vos custou a criar".

-Dar-te-ei tanto dinheiro,
Que o não possas contar.


"Não quero o vosso dinheiro,
pois vos custou a ganhar!

-Dou-te o meu cavalo branco,
Que nunca houve outro igual.

"Guardai o vosso cavalo,
Que vos custou a ensinar".

-Dar-te-ei a nau Catrineta
Para nela navegar.

"Não quero a nau Catrineta
Que a não sei governar".

Que queres tu, meu gajeiro,
Que alvíssaras te hei-de dar?

"Capitão, quero a tua alma
Para comigo a levar".


Renego de ti, demónio,
Que me estavas a atentar!
A minha alma é só de Deus,
O corpo dou eu ao mar.


Tomou-o um anjo nos braços,
Não o deixou afogar.
Deu um estouro o demónio,
Acalmaram vento e mar;

E à noite a nau Catrineta
Estava em terra a varar.